UMA RUA, UM PROBLEMA E A SÍNTESE DE UM POVO
Era uma vez uma rua bucólica e extremamente calma de um subúrbio de uma grande capital brasileira. Não era um lugar pobre. Em um dos bairros mais valorizados dessa capital, essa rua tinha moradores com renda superior a dois mil reais "per capta"; o que os colocava numa classe média remediada e com uma vida confortável. Casas de trezentos metros quadrados com muros altos e quintais espaçosos davam o tom final a um lugar que seria um paraíso para se viver se não fosse um pequeno problema: A falta de água.
Com a especulação imobiliária e a construção de prédios nas ruas ao redor daquela bucólica ruazinha, aliado a uma brutal má gestão da Cia de Águas e Esgotos da cidade (um cabide de empregos para político e parasitas em geral), os moradores passaram a sofrer com um abastecimento de água irregular e extremamente precário.
Desde 28/10 do ano passado até 31/01 deste ano (2010), aquela rua teve apenas quinze dias de fornecimento de água. A situação era desesperadora. Pois, em uma cidade com temperaturas médias superiores a trinta e cinco graus e no auge de um dos verões mais quentes de todos os tempos (com temperaturas de até cinqüenta graus); ficar sem água era impraticável. Graças ao poder aquisitivo um pouco melhor, eles podiam comprar água mineral em quantidade para matar a sede e fazer comida. Além disso, compravam carros-pipa com água para abastecerem os seus reservatórios por alguns dias. Mas, em meio a todo esse inferno de calor, higiene precária e muito suor; uma coisa era religiosamente entregue a todos eles: a conta de consumo da Cia de Água e Esgoto.
As reclamações aos telefones da Cia era frequentes e quase diárias, ameaças, protestos e até uma denúncia de fraude (cometida por um manobrista da Cia) foram tentadas. Mas nada era capaz de sensibilizar a Cia de Águas e Esgotos para resolver o problema daquela ruazinha. Como se não bastasse, o presidente da Cia de Águas concedeu uma entrevista na rádio local afirmando que em toda a cidade não havia problema de falta de água. Segundo ele, apenas "alguns baderneiros" provocavam problemas na rede de abastecimento.
Revoltado, um morador achou que aquilo era um acinte e procurou a justiça. Exigiria reparação imediata do presidente, uma indenização pesada da empresa, uma multa diária até que o problema da falta de água fosse solucionado, o fornecimento gratuito de carros-pipa para todos os moradores até que a situação se solucionasse e a devolução dos valores pagos nas contas, por um serviço não prestado, em dobro.
No entanto, seu advogado adiantou: Precisamos de testemunhas.
Foi aí que a coisa azedou. Como ninguém ligado a ele poderia servir como testemunha seria necessário recorrer aos vizinhos. Contudo, achava que diante da gravidade da situação e do desespero geral, seria muito simples e fácil conseguir essas testemunhas. Foi logo ao prédio recém vendido que concentrava o maior consumo da rua e cujos moradores freqüentemente vinham reclamar com ele sobre o problema, já que eram vizinhos.
Uma reunião de condomínio foi agendada e, para a surpresa dele, nenhum morador se apresentou como testemunha. As desculpas foram as mais diversas: "A mim a falta d'água não afeta. Quando quero tomar banho, vou para a casa da minha filha" – uma senhora falou. Do fundo, outro morador, disparou: "Vai dar trabalho e a gente pode continuar comprando um carro-pipa de vez em quando". As desculpas iam se acumulando desde o clássico "não adianta" até coisa completamente sem sentido como "trabalho dia todo e só venho aqui para dormir". Ao fim de tudo, de todos os moradores do prédio, apenas um se prontificou para testemunhar.
Mas, para ele, ainda restava uma salvação: os outros moradores da rua. Militares aposentados, ex-funcionários públicos, empresários e profissionais liberais das mais diversas áreas. Certamente nenhum deles estaria feliz em pagar por um serviço que não recebia e, ainda por cima, ter que carregar baldes com água doada pro vizinhos das ruas próximas ou pagar por um fornecimento via carros-pipa.
Começou a bater de porta em porta, indo primeiro aos que mais reclamavam e se diziam mais atingidos pela situação. Mas, bastava mencionar que estava ajuizando uma ação contra a empresa de água e esgoto para que as pessoas vomitassem suas desculpas e corressem do problema.
Depois de consultar mais de cinqüenta moradores, ele conseguira apenas duas testemunhas. Aquilo teria que bastar, embora soubesse que uma presença maciça deixaria o juiz com uma certeza inequívoca de que o problema existia realmente e garantiria a vitória de todos. Pensou em desistir também. Afinal, se vencesse beneficiaria todos aqueles omissos e preguiçosos. Mas, por outro lado, pensou em sua própria família e no absurdo que era pagar por algo que não recebia; ser chamado de malandro e baderneiro por um incompetente e resolver tocar o barco assim mesmo.
Seria ele contra todos.
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Nota do editor: Você pode pensar que esta é uma ficção. Mas saiba que é uma história completamente verídica e uma inacreditável mostra de como é pernicioso o conformismo, a acomodação e a omissão de nosso povo. Mesmo diante das mais graves agressões praticadas contra ele, até a de condená-lo ao sofrimento de viver sem água num calor infernal e ainda pagar por isso, a população se mantém ordeira, quieta e aceita tudo passivamente e sem fazer qualquer menção de lutar por um direito dos mais básicos.
Pense nisso.
Fonte: AQUI
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